Gosto de me sentar em banquinhos de pau,
com cheiro adocicado de fumeiros.
Gosto do choro do salgueiro
batido pelo vento.
Gosto dos cães que não nos obedecem
que para tal nos bastam os seus donos.
Gosto de rebuçados de cinema
e de os desembrulhar na escuridão.
Gosto de olhar as montras
porque tudo o que mostram já me sobra.
Gosto da rouquidão da voz do adolescente,
a anunciar o eclodir do macho.
Gosto do Che mitificado no seu esquife,
como um Cristo de novo assassinado.
Gosto de receber saudades por herança.
Gosto do gosto da hortelã
antes de a ter na boca.
Gosto das pernas da Marlene a preto e branco,
em contraponto aos gritos do Tarzan.
Gosto do azul do céu, do azul do mar ,
mesmo sem mar nem céu;
azul, só de sonhar.
Gosto de tantas coisas, meu Amor,
mas do que eu gosto mesmo é de gostar.
Licínia Quitério, "Da Memória dos Sentidos"
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